Solta a voz!
- hojeeuquerovoltars
- 8 de mai. de 2015
- 3 min de leitura

"Quando eu tinha 16 para 17 anos, saía todos os dias da escola, por volta do meio-dia, e me deslocava até o meu trabalho como estagiária numa agência dos Correios. Sempre pegava o mesmo ônibus e sempre me sentava no fundo, próxima à porta, parte que era mais tranquila, onde aproveitava para cochilar e ouvir música. Era assim todos os dias até que aconteceu. Um homem se sentou ao meu lado. Não reparei se ele já estava no ônibus ou se havia entrado naquele momento. Sentou-se ao meu lado e sorriu pra mim. Eu apenas olhei pra ele e voltei o meu olhar para a janela à minha direita. Pelo que me lembro só estávamos nós dois no fundo daquele ônibus. Ele ficou apenas sentado ao meu lado até que notei que se encostou mais em mim, de modo que eu fiquei encurralada entre ele e a janela do ônibus à minha direita. Encostou o rosto perto do meu ouvido e me perguntou se eu "gostava de 'negão'”. Nessa hora eu estremeci, senti muita vontade de chorar, nojo, pavor. Não tinha coragem de sequer virar a minha cabeça para a esquerda, para não correr o risco de ter que olhar para o rosto dele. Ele colocou a mão na minha perna e continuou me encurralando contra a parede do ônibus. Eu não poderia estar mais “provocante”, vestindo o uniforme da escola: um conjunto de inverno, calça e blusão largos. Eu nunca provoquei aquele homem, eu sequer o tinha visto entrar no ônibus. Nunca fiz nada pra chamar sua atenção, eu só estava indo trabalhar. Ele insistiu em colocar a mão em mim, aproximou a boca da minha orelha e seguiu proferindo todo o tipo de abuso, coisas que faria comigo, mencionando partes do meu corpo, ofegante. Enquanto ouvia essas coisas, eu rezava fervorosamente para que chegássemos logo ao terminal de ônibus onde eu iria saltar para me livrar daquilo tudo. Eu não tinha forças para reagir contra aquele homem, muito maior do que eu. Eu sequer consegui olhar ao redor. Fixei meus olhos na janela à direita, abracei a mochila e fiquei nessa situação por uns 20 minutos até que finalmente chegamos no terminal, ele levantou-se, olhando de forma ameaçadora pra mim, e desceu. Eu tremia dos pés à cabeça, quase não conseguia me levantar. Desci do ônibus, o sujeito permaneceu do lado de fora olhando pra mim até que pegou outro ônibus e sumiu. Eu só conseguia sentir um constrangimento e um abandono muito grandes. Nunca me senti tão só. Nunca senti tanta vergonha. Demorou muito tempo para que eu esquecesse as coisas que ele me disse. Passei a me sentir desconfortável com as roupas que eu usava, nunca mais saí de shorts ou saia na rua. Sentia muito medo de andar sozinha, de passar por tudo de novo. Continuei trabalhando no mesmo lugar durante cerca de um ano e nunca mais o vi. Fico pensando se ele fez algo semelhante a outra garota ou mesmo a estuprou. Eu torço para que não. Nenhuma mulher merece passar por isso. Aconteceu há quase 15 anos e foi muito nocivo pra mim. Passei muito tempo sem me lembrar que isso tinha acontecido, foi uma espécie de bloqueio. Eu levei todo esse tempo até conseguir contar isso pra alguém. E nunca senti um alívio tão grande por tirar algo do peito."
Esse é um relato anônimo de uma pessoa que quer voltar sozinha.
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