Solta a voz, Victoria!
- hojeeuquerovoltars
- 15 de dez. de 2014
- 3 min de leitura

"Desde pequena toda menina cresce escutando tanto dos pais como dos professores como deve se comportar, como deve se sentar, que roupa deve vestir. Aliás, algo que é dito por todo mundo o tempo todo. É aí que nasce e que é plantado o medo de toda mulher. Medo de andar sozinha, de querer se sentir livre, de querer usar a roupa que gosta ou que se sente confortável, de querer simplesmente agir como qualquer ser humano e ter seus direitos garantidos. Moro em uma cidade quente, insuportavelmente quente, onde não existem estações: todo dia, todo mês é verão. Mas isso não importa, querer vestir uma roupa mais confortável, sabendo que vou caminhar muito da faculdade até a parada está fora de cogitação. Fora de cogitação pelo simples fato de que se eu usar um vestido, provavelmente escutarei cantadas e palavras indesejáveis na rua. Mas se eu andar de short, de calça, de blusa de alça, de blusa de manga ou de burca, eu escutarei as mesmas palavras escrotas da mesma forma. Escutarei porque quando me disseram que o jeito que a menina se comporta, como ela se veste etc, poderia evitar algo, eles estavam enganados. Tanto os meus pais como professores que tanto me alertaram, jamais poderiam perceber que não importa a roupa, o horário ou o local: a mulher não provoca nada, não pede por nada. A maldade e malícia parte de quem já carrega consigo o senso abusivo, o machismo e a ideia de que a mulher é um objeto de satisfação e prazer. Desde meus 15 anos tive que aprender a voltar sozinha pra casa depois da aula, do cursinho e da faculdade. Infelizmente, sempre estudei em horários não tão bons e que me faziam/fazem voltar pra casa em horário de pico. E foi justo num desses dias em horário de pico que tive que aturar 30 minutos sendo encoxada dentro de um ônibus. Um homem nojento, escroto, que devia ter seus 30 anos. Eu, que estava de farda - uma roupa extremamente folgada, inclusive -, me senti tão intimidade e com tanto medo que preferi ficar calada. Devo ter chorado o caminho todo e lembro de ter chegado em casa tremendo e com um medo gigantesco mas não maior que a minha raiva. Na mesma semana o mesmo aconteceu, só que com a raiva acumulada do outro dia e depois de ter jurado à mim mesma que jamais permitiria que isso acontecesse novamente, decidi me manifestar. Mesmo com medo, mesmo tremendo, mesmo tendo que lidar com a possibilidade de que as pessoas poderiam simplesmente ignorar. Comecei a gritar dentro do ônibus, perguntando se o homem estava louco. Rapidamente não havia barulho nenhum e todo mundo estava me encarando: Foi aí que decidi não me calar mesmo. Comecei a perguntar com o intuito de constrangê-lo: ''mas o senhor já gozou? porque irei descer na próxima parada e imagina só, eu instrumento, objeto de satisfação de homens, não cumprir com o meu dever''. Enquanto falava engoli choro, raiva e minha voz quase não saía. O motorista que prestou atenção em tudo também, foi o primeiro a se pronunciar: parou o ônibus e fez o homem descer. Junto com o motorista, tive a boa sorte de ver outras pessoas se revoltando com a situação. Muitos comentavam sobre o desgosto que é ter que ver uma menina tão nova passando por isso, aliás, ''tantas meninas e mulheres''. ''Tantos homens que me envergonham'', comentou um senhor que preferiu me dar o seu lugar no ônibus para que fosse sentada e isso não acontecesse novamente. Foi a partir de então que percebi que eu nunca deveria ter sentido medo e que jamais deveria permitir que esse tipo de coisa viesse a acontecer. Não só por mim, mas por todas as mulheres que ainda sofrem, que são violentadas, que morrem por causa dessas atitudes. Percebi que eu jamais deveria me calar pelo simples fato de que o corpo é MEU e machismo e homem nenhum com seus pensamentos escrotos deveriam me afastar do direito de viver livremente. QUERO E VOU CONTINUAR ANDANDO SOZINHA."
Victoria Ceccilia tem 18 anos e quer voltar sozinha.
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