Solta a voz!
- hojeeuquerovoltars
- 25 de nov. de 2014
- 3 min de leitura

Ilustração de Nick Kobyluch
"Desde o dia que comecei a andar de metrô com maior frequência, eu ouvi muito de amigos, colegas, familiares a frase "tem que se cuidar!". Bobagem, sempre têm vários seguranças nas estações, ouvi pouquíssimos relatos de "mão boba" e na minha inocente cabeça eu nunca iria passar por uma situação de perigo ou constrangedora. Eu tenho essa mania de achar que sou invencível. Pois bem... Eu estava voltando de metrô de uma festa com um amigo quando, devido ao cansaço de tanto dançar, resolvemos sentar próximo ao grupo de cinco meninos negros. Eu estava com um vestido curto (com short por baixo porque desde pequena me foi ensino que isso é necessário para não "mostrar demais") e uma bolsa no meu colo. Um desses rapazes começou a soltar frases como: "eu quero te engravidar", "tira essa bolsa dai porque tá tapando demais", "mas que pernocas", “sua gostosa”... Relevei, afinal de contas eles estavam visivelmente bêbados. Esse mesmo rapaz veio pedir meu número do whatssapp e eu, super grossa, mandei ele se ferrar e sair da minha frente. Virei motivo de deboche para todos eles. Um dos rapazes, que estava ao lado do meu amigo, gritou: "É porque tu é negro! Se tu fosse um loirinho de cabelo liso, ela teria dado muito mais do que o número do whats...". Eu fiquei pirada. Sabe aquela sensação de querer responder para alguém, mas não poder porque tu tem medo do que pode acontecer depois? Para o meu azar, eles iam descer na mesma estação que nós. Combinei com meu amigo de ficarmos sentados até eles desembarcarem para depois irmos devargazinho atrás. Com alguma sorte, eles não nos notariam e aquela noite iria acabar aí. Antes de descer, o mesmo cara que pediu meu telefone, passou a mão no meu rosto. Eu fiquei nervosa e irritada demais. Fui atrás dele e comecei a gritar que ele era um otário, que falar besteira para mim é uma coisa, mas passar a mão já é outra muito diferente, que ele deveria ter respeito, amadurecer... Ele surtou e começou a gritar comigo, dizendo que eu gorda, que deveria me enxergar, jura que ele iria querer algo comigo. E para piorar ainda falou: "eu moro na Vila tal e vou te dar um tiro". Desci as escadas da estação esbaforindo de raiva. Quando entrei no taxi (sempre volto de ônibus, mas nesse dia achei melhor pegar taxi por estar com medo, não só por mim, mas como também pelo meu amigo) comecei a chorar. Não sei se por raiva, medo ou por causa da sensação de impotência. Só sei que demorei a pegar no sono porque não conseguia parar de chorar por raiva deles e de mim mesma, que poderia ter saído de casa com calças e não com vestido curto. Que poderia ter ficado quieta e não ter tido que ouvir o "eu vou te dar um tiro". Que poderia ter trocado de vagão no momento que viu que tinha predominância de homens naquele. Chorei por raiva de estar sentindo essa vergonha sendo que a errada na história não fui eu."
Esse é um relato anônimo de uma pessoa que quer voltar sozinha.
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