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Solta a voz, Bruna!

  • hojeeuquerovoltars
  • 7 de nov. de 2014
  • 3 min de leitura

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"Não sei se cabe na categoria dos assédios de rua; aconteceu dentro de um lugar fechado. Eu era 4 anos mais nova. Até hoje, as imagens me perseguem. Eu tava numa festa com uma amiga, de quem me perdi. A festa era no Odeon. Fiquei parada fingindo mexer no celular; é basicamente isso que eu faço quando não sei onder enfiar as mãos. Eu tava sozinha, quieta, mas tava tudo bem. Eu tinha o direito de estar sozinha e bem. Até que um cara (que eu acho que devia ter 40 e poucos anos e que estava alterado e frenético - parecia meio cheirado, mas tanto faz...) taca um negocinho de palito de dente em mim. Ele tava sentado ao meu lado (eu estava em pé). Percebi, fingi que não vi/senti, pensei "mais um babaca se achando engraçadinho" e continuei ali, de cabeça baixa, olhando pro telefone. Ele começou a falar alguma coisa, mas felizmente eu não entendi (menos palavras = menos lembranças desse dia). O imbecil continuou se achando engraçado e continuou tentando chamar atenção. Continuei fingindo que nada estava acontecendo. Eu poderia ter mudado de lugar, mas quis permanecer ali porque eu tinha o direito de estar ali. Não queria mostrar medo. Então surge um outro cara, amigo desse primeiro, me puxa pelo braço, me empurra e me obriga a sentar no meio dele e do outro. Daí pra frente eu não quero entrar em detalhes, porque me enoja. Porque me revolta. Porque me machuca. Resumindo: me tocaram das formas mais nojentas e me falaram as coisas mais horríveis. Fui incapaz de gritar, de chorar, de me mexer. Era como se não estivesse acontecendo. Naquele momento, nada era real. Uma menina percebeu o que tava acontecendo e me tirou dali. Eu fui embora sem entender nada. Ainda perdida da minha amiga, desci correndo pro primeiro andar, sem saber o que fazer. Quis falar com alguém, com algum segurança, mas tive medo de ver aqueles homens de novo. Tive medo de o segurança não acreditar. Tive medo de me ridicularizarem. Tentei amenizar tudo na minha cabeça. A ficha não caía. Encontrei com algumas pessoas do meu antigo colégio e, por coincidência, um dos garotos morava na minha rua. Peguei um táxi com eles, mas tudo parecia meio surreal. Quando cheguei em casa, foi pior ainda. Meus pais estavam dormindo. E se tivesse sido pior? E se tivessem me levado pra algum lugar? Tento não me culpar por não ter reagido, mas é difícil. É difícil me perdoar por não ter conseguido. Podia ter sido pior, mas nada diminui essas imagens que eu levo comigo. Nada diminui o que aquilo representou. Eu ouvi muitas coisas de pessoas próximas: que eu era muito nova pra festa, que eu era muito ingênua, que não tinha malícia, que não sei me defender. Que eu devia ter gritado. Que eu devia ter falado com os seguranças. Pra completar o maravilhoso cliché: Sim. Falaram da minha roupa. Hoje em dia eu entendo. Eu vejo e sei o que aconteceu. Não é uma história que eu me sinta confortável de contar, mas achei necessário falar. A maioria das meninas que eu conheço passa ou passou por situações horríveis, parecidas e até piores que a minha. A gente sempre se cala; é isso que a gente aprende desde pequena: é melhor abaixar a cabeça. A gente aprende a achar que tudo que nos incomoda é culpa dos nossos hormônios - tudo é TPM - ou que somos emocionais demais pra processar as coisas - tudo é drama e tudo é frágil. Eu sou mulher, tenho orgulho de ser mulher e tenho orgulho de ser feminista. Me senti frágil, sim, como qualquer outro ser humano que é invadido e injustiçado. Contei minha história porque colocar isso tudo pra fora é necessário. Chega de achar tudo normal ou tudo brincadeirinha, quando não é. É comum, mas não é certo! Não é justo. Toda vez que eu ouço alguma cantada imbecil na rua, eu lembro da sensação de impunidade. Existe um medo e não é pequeno. Queria poder ter um final feliz pra essa história; queria poder dizer que aprendi alguma coisa. Não aprendi nada que não poderia ter aprendido de outra forma. Não, não "serviu como experiência". Isso é patético. Tem coisas que não servem pra nada. Eu lembro todos os dias. PS: Reparem que, depois de tudo, eu queria e precisava voltar pra casa urgentemente, mas, ainda assim, dependi de outras pessoas. Ainda tinha que passar pelo medo de pegar um táxi sozinha de madrugada."



Bruna Uller tem 20 anos e quer voltar sozinha!

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